O período entre as duas guerras mundiais foi um dos mais conturbados da história contemporânea mundial. A desarticulação política, social e econômica que se abateu sobre a Europa após o fim da Primeira Guerra não foi resolvida com os acordos de paz travados pelos líderes das potências globais.
O Tratado de Versalhes falhou em promover a segurança mundial, a Liga das Nações não conseguiu satisfazer às aspirações de todos os vencidos e a Alemanha, grande derrotada, não tinha condições de pagar as indenizações a ela impostas. Com isso, França e Inglaterra, as duas nações que mais tinham a receber da Alemanha, não conseguiam saldar as dívidas com seu maior credor, os Estados Unidos.
Este último, por sua vez, considerava-se numa posição confortável, uma vez que emergira da Primeira Guerra como potência, pois havia sido o principal fornecedor de alimentos e armas durante o conflito. Os EUA, então, passaram a ajudar os alemães que, com essa ajuda, pagavam os ingleses e franceses que, por sua vez, repassavam o dinheiro aos credores americanos.
A partir de 1922, quando França e Inglaterra saldaram suas dívidas com os americanos, estes atravessaram um período de espetacular expansão industrial. O capital excedente, provindo da manobra há pouco citada entre alemães, franceses/ingleses e os EUA, foi utilizado para incrementar os meios de produção, principalmente quanto aos bens de consumo.
Para desenfrear ainda mais o espírito consumista, a compra a crédito passou a ser estimulada. Com isso, logo todo americano médio desejava um carro, um rádio e outros bens, e conseguiam tê-los, vistas as facilidades que o governo e sua política econômica lhes garantiam. Esta falsa impressão de prosperidade e bem-estar, baseada unicamente no instinto consumista, ficou conhecida como “american way of life”, extremamente propagandeado pelas autoridades, que também se deixaram levar pela euforia.
Ao mesmo tempo, crescia a postura conservadora do cidadão americano, estimulada pela vigência da lei seca (que proibia a fabricação e consumo de bebidas alcoólicas), que procurava manter virtuosa a sociedade. Mas a corrupção nos altos escalões do governo permitia a atuação de organizações criminosas, que burlavam a lei seca. Elas prosperaram incrivelmente e os chefes dessas sociedades (que também exploravam o jogo, a prostituição e o tráfico de drogas), os gângsteres, tornaram-se os cidadãos mais ricos da época.
Ao mesmo tempo, a defesa dos ideais nacionalistas, feita de forma fanática e sem o menor embasamento pela população cegada pelo conservador “american way”, permitiu o desenvolvimento das perseguições aos negros, aos judeus, aos imigrantes e aos não-protestantes. Uma das mais terríveis organizações direitistas da história dos EUA, a Ku Klux Klan, surgiu nesse período. Logo, porém, a fragilidade de tudo isso veio à tona. No campo, os fazendeiros que haviam hipotecado suas terras junto aos bancos, na tentativa de aumentar suas propriedades e mecanizar o trabalho, já não mais podiam competir com os preços dos produtos europeus.
Explica-se: no período de guerras, os grãos americanos eram a única fonte de alimento da Europa. O preço era alto e foi baseado neles que os fazendeiros previram seu crescimento. Porém, para reerguer-se, a Europa adotou medidas protecionistas e os preços baixaram. A superprodução americana não tinha mercado, a não ser que baixasse ainda mais o preço. Com preços tão baratos, os fazendeiros não tinham mais como saldar suas dívidas e faliram. Os bancos, sem receber, passaram também a se ver em dificuldades, e alguns começaram a fechar as portas. Nas cidades, as novas técnicas industriais fizeram com que a presença da classe operária se tornasse secundária.
Com a mecanização, muitos trabalhadores passaram a ser dispensados, criando-se um grande exército de reserva. Os salários não aumentavam, pelo contrário, pois a oferta de emprego era muito menor que a demanda. Assim, o proletariado curvava-se a salários cada vez mais baixos. Esses desempregados e os citados trabalhadores do campo deixaram de consumir, pois não tinham mais como.
Com o comércio exterior também retraído (a Europa ainda estava enfraquecida e, mesmo assim, adotara medidas que priorizavam o consumo de produtos internos), as vendas e, claro, o lucro, despencaram. Diante dessa situação, os grandes empresários passaram a especular na Bolsa de Valores, outorgando às suas ações valores fictícios, muito mais altos do que os reais.
Os investidores passaram a desconfiar e, a partir de setembro de 1929, colocaram seus títulos à venda e a Bolsa entrou em declínio. No dia vinte e quatro de outubro, na conhecida quinta-feira negra, ela quebrou. Milhões de ações não encontraram compradores e as cotações baixaram vertiginosamente, causando a falência de bancos, empresas privadas, indústrias e particulares.
Os preços dos produtos caíram, forçando cortes enérgicos nos custos de produção. Resultado: milhares de empregados foram demitidos e o mercado entrou em retração profunda. Ou seja, durante a guerra, a grande demanda protagonizada pelo mercado externo garantia o total escoamento da produção americana. Como era fornecedor único, houve uma supervalorização dos produtos dos EUA, o que enriqueceu sobremaneira a sociedade americana.
Quando a guerra acabou e os países europeus voltaram a produzir, fizeram-no sem supervalorizar sua produção e adotando medidas protecionistas que garantissem sua liderança interna. Com isso, o caro produto americano não mais podia concorrer com os europeus. Por outro lado, o mercado interno não conseguia absorver a imensa produção, o que forçou a queda dos preços. Com os preços baixos, cortes nos custos de produção tornaram-se necessários e a demissão maciça de empregados era a primeira medida para tanto.
Com mais desempregados, decrescia o consumo; os preços eram forçados a baixar novamente; cortavam-se mais custos; mais demissões; os preços baixavam mais ainda etc. Nesse modelo, está sintetizada toda a debilidade do capitalismo. Não só os EUA foram atingidos com a quebra de sua Bolsa, mas também a Europa (que viu os créditos estrangeiros chegarem ao fim) e a América Latina (cujos países não tinham mais a quem vender suas matérias-primas). Em suma: o mundo faliu; era a Grande Depressão, que só viria a dar mostras de enfraquecimento a partir de 33.
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